Não era a areia. Não era a praia. Não era a água. Não era o sal. Não era o mar. Era o suspirar calejado da felicidade familiar.
Estávamos todos ali. Eu. O papai. A mamãe. A tia Belie. A prima Dora. Papai. Belie. A prima. Nós e a caixa térmica vermelha. Ela, que tão suplentemente protege do ambiente, mas não dos sedentos, as gélidas cervejas. Podia sentir. Via o gelo coberto pelo sol, fragmentando suas partículas, em uma bela valsa meticulosa.
Estávamos felizes. Éramos felizes. O engasgar me tomou. O sol agora era roxo, num limiar para o padecer diário. Margeava a vontade da distância. Só. Somente eu e ele. Mas só. A agonia resgata o ser. Tentei fugir. Tentei ser feliz. Mas a vontade era minha e a ela eu sabia calar.
Eis a areia. Eis os pés. Fez-se o andar e o ser se foi. Eis o mar. E os pés de ásperos passam a úmidos. O quente abarcar das águas atlânticas fez seu trabalho, polindo com seu tempero as solas de quem queria só uma conversa. Cá estávamos nós. Apenas eu e ele. O mar. A cobiça vigorou.
Permaneço no raso. Dos calcanhares sobe a procissão dos respingos salobros. Sinto a ânsia de mais um passo. Resguardo dez quinze avos da minha existência no oceano de ar. Mas o passo foi dado. E do tornozelo o mar - solícito como o temos - tragou toda a minha composição. Queria apenas uma conversa. E do mar fiz parte. Às suas entranhas eu era puxado. Guiava todo o meu entusiasmo para voltar a somente ouvi-lo e admirá-lo. Estava só. E ele me queria. Pronto para me entregar surge à imagem.
Primeiro vi uma rajada de cabelos negros a embaraçar tudo em volta. O resto do suntuoso corpo veio em seguida. Tudo era não identificável; uma harmoniosa baderna da bela. Constatei seus trajes rubros. Eu a vi por completo. Estava só. Eu, ele e ela. A imagem. Uma sereia em tecidos vermelhos.
O fôlego para voltar à tona despiu-se de seu olhar confuso. Encontrei o extrato da terra e no embate do ar com os pulmões pude sentir a delicada dor de viver. Estava feliz. Estávamos ali. Eu e ela regados por ele.
Não conseguia encará-la. Feliz. A idéia partiu dela. Geniosa como se apresenta, eu não quis refutar. “Temos que nivelar o mar”. A proposta se fez. E com o galho, que perpendicularmente transpassou defronte nossos corpos, eu me pus a empurrar os lotes de areia para a concavidade do mar. Um ferrenho esforço. Contemplava a felicidade.
O alerta partiu dela. Não compreendi. Estava vivo? “A ponta do galho está vibrando”. Fiquei confuso. Estava só. Eu e o galho.
Abri os olhos. Olhei o teto. Estava na cama. Onde se encontrava a ponta do galho estava meu celular a tocar. Não era ela. Não era a moça dos tecidos rubros. Estava só. Eu e as lembranças.